A maioria dos prefeitos do Rio Grande do Norte está com pagamentos de fornecedores pendentes, tem dificuldade de implementar o piso nacional dos professores e admiteque vai deixar restos a pagar aos sucessores. Essa situação das prefeituras, no final dos mandatos, preocupa os prefeitos, porque a Lei de Responsabilidade Fiscal exige que eles encerrem a administração com as contas equilibradas. As constatações são de uma pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Municípios. O levantamento concluiu que 65,47% das cidades estão com pendência junto a fornecedores, o que significa 91 municípios em atraso (ver números nos gráficos abaixo).
"O tempo é curto para resolver a questão, o que dá para fazer, a essa altura, é minimizar os problemas", avaliou Jorge Galvão, procurador do município de Natal e ex-controlador-geral do Estado, ao comentar a dificuldade de muitas cidades em manter as contas equilibradas diante da queda sistemática dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) - recursos provenientes do governo federal, que considera o número de habitantes e o volume de impostos arrecadados para quantificar tais verbas.
"Não há previsão, a curto prazo, para aumento do FPM e as possíveis soluções passam essencialmente pelo enxugamento das despesas", analisou o procurador.
Como a maioria das pequenas cidades dependem do FMP para complementar o próprio orçamento, o desfalque significativo, ocasionado principalmente pela redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), gerou um efeito cascata que preocupa 115, das 139 cidades consultadas pela Confederação Nacional dos Municípios no tocante ao fechamento das contas ao final do mandato.
No relatório elaborado pela CNM, que representa prefeituras de todo o país, o diagnóstico da situação indica que 28,78% das cidades do RN consultadas apresentam atrasos no pagamento de salário e 65,47% estão com pendência junto a fornecedores.
Os repasses do Fundo são realizados três vezes por mês, e a primeira parcela do FPM depositada dia 10 de outubro deixou 50 municípios do RN com saldo zero. "A situação é muito séria, e será complicado honrar com os compromissos normalmente atribuídos nesse período de final de ano", apontou Jorge Galvão.
Além da dificuldade com a folha de pagamento, os gestores municipais ainda enfrentam a missão de conduzir mais de 200 programas (sociais, de saúde, educação) do governo federal - função que exige cada vez mais esforço e mais dinheiro.
De acordo com a CNM, o 'restos a pagar' da União junto aos municípios soma quase R$ 19 bilhões. Esse valor não existe nos cofres do governo federal, mas foi marcado como gasto no orçamento geral sem o devido repasse aos municípios. "Os prefeitos precisam administrar a falta de compromisso da União", declarou Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, na ocasião da divulgação do relatório.
Para traçar um panorama local da questão problemática, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE conversou com o prefeito de Brejinho, João Gomes, presidente em exercício da Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (Femurn). Os prefeitos de Parnamirim, Maurício Marques, e São Gonçalo do Amarante, Jaime Calado, também foram consultados. Apesar de não dependeram única e exclusivamente dos repasses do FPM, os dois municípios da Região Metropolitana de Natal, considerados de médio porte, também sentem os reflexos da crise.
Prefeito afirma que há queda assustadora de repasse
A crise na arrecadação e nos repasses do FPM atingem com maior intensidade, sobretudo, os municípios menores, mas gestores de cidades consideradas médias também estão atentos à questão. Em Parnamirim, terceira maior cidade do RN com 214.199 habitantes (IBGE/2012), o prefeito Maurício Marques não descarta a necessidade de "demitir pessoal comissionado" para manter obrigações como o piso salarial dos professores e o Plano de Cargos, Carreiras e Salários.
Marques se diz surpreso com a queda "assustadora" dos repasses: "Nos últimos três meses tivemos uma queda de R$ 6 milhões, o que representa 20% da receita mensal do município. Como temos uma reserva em caixa, conseguimos honrar com os compromissos, mas já estamos planejando os ajustes", avaliou.
A situação em São Gonçalo do Amarante não é muito diferente. Com 90.376 habitantes (IBGE/2012), o município pertence à Região Metropolitana de Natal e vem cumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal ao manter o equilíbrio das contas e o controle de gastos com folha de pagamento. "Considero dois pontos fundamentais para retomar a capacidade de investimento: o primeiro é lutar pela compensação das perdas. Acho justa a adoção de incentivos para fomentar a economia (redução do IPI), mas não se pode penalizar os municípios. O outro ponto, igualmente importante, é trabalhar para aumentar a arrecadação de impostos municipais", acredita o prefeito Jaime Calado.
Calado informou que, por ter criado um Instituto de Previdência Municipal, SGA consegue economizar até 13% no recolhimento de impostos trabalhistas. "Economizamos cerca de R$ 160 mil por mês sem prejudicar os servidores aposentados", ressaltou. O prefeito reconheceu que as cidades menores dependem muito do FPM, e que "se alguma solução não for pensada, pode inviabilizar, inclusive do ponto de vista legal, a existência desses municípios". "Muitas gestões não vão conseguir cumprir a LRF ao final dessa gestão, e não é por falta de vontade dos prefeitos", garante.
Aumento da folha de pessoal deixa a situação mais grave
Com a descentralização da gestão de programas federais, como o Programa de Saúde da Família entre outras iniciativas assistenciais, e o aumento vegetativo da folha de pagamento, muitos municípios enfrentam dificuldades para cumprir com os compromissos impostos pela União. "A problemática é implementar tais programas sem oferecer as devidas condições de resolvê-los", verificou João Gomes, prefeito de Brejinho e presidente em exercício da Femurn, diante do desfalque orçamentário ocasionado pela redução do FPM. "Não adianta o governo federal impor políticas de desoneração tributária, como redução da alíquota do IPI, sem cortar na própria carne. A partir do momento que a redução na arrecadação fica a cargo dos estados e municípios, a capacidade de investimento fica comprometida", lamentou.
Sem dinheiro em caixa, e com a obrigação de saldar débitos fiscais (INSS) passados, já negociados com a União e cuja parcelas são descontadas automaticamente nos repasses do FPM, muitas cidades fecham o mês com saldo zero.
Parcela
A questão é tão complicada, que 50 municípios do RN não receberam um só centavo na parcela liberada pelo governo federal dia 10 de outubro, são eles: Acari, Alto do Rodrigues, Angicos, Areia Branca, Arez, Assu, Boa Saúde, Caicó, Campo Grande, Canguaretama, Caraúbas, Carnaubais, Cerro Corá, Currais Novos, Extremoz, Goianinha, Gov. Dix-Sept Rosado, Guamaré, Ielmo Marinho, Ipanguassu, Itajá, Jardim do Seridó, Jucurutu, Lagoa Nova, Luis Gomes, Maxaranguape, Mossoró, Nísia Floresta, Nova Cruz, Parelhas, Parnamirim, Pendências, Poço Branco, Portalegre, Porto do Mangue, Pureza, Rio do Fogo, Santana do Matos, São José de Mipibu, São Miguel do Gostoso, São Paulo do Potengi, Serra Caiada, Serra do Mel, Serra Negra do Norte, Taipu, Tibau do Sul, Umarizal, Upanema, Vera Cruz e Vila Flor.
Bate-papo
João Gomes, prefeito e presidente da Femurn
"Isso causa impacto direto nas receitas das cidades menores"
Qual o principal problema apontado pelos gestores municipais?
A grande reclamação se dá em em relação à queda do FPM, inclusive porque nos municípios que não contam com orçamento suficiente para administrar, os repasses do Fundo funcionam como previsões orçamentárias. Apesar das dificuldades, os municípios estavam enfrentando os problemas, mas nos últimos três meses a crise de 2009 ressurgiu, muito em virtude da redução do IPI e da devolução do Imposto de Renda.
O senhor vislumbra alguma solução para essa problemática a curto ou médio prazo?
Apesar da crise, alimentamos a esperança de que um dia contaremos com a reforma tributária, com a redistribuição dos royalties e a aprovação da Emenda 29 em prol do financiamento da saúde (a Emenda Constitucional 29 define percentuais mínimos de investimento em saúde por União, estados e municípios).
Então a situação é generalizada?
Exato. Os pequenos e médios municípios necessitam da ajuda do governo federal e dos estados para sobreviverem, mas os estados que recebem o FPE (Fundo de Participação dos Estados) estão na mesma situação dos municípios. Do bolo tributário nacional, a União fica com 62%. Os 27 Estados dividem entre si 23% da receita e os 5.562 municípios brasileiros repartem os 15% que restam. Mesmo diante desta disparidade, o governo federal nunca corta na própria carne, e faz "cortesia com o chapéu alheio" quando reduz o IPI. Isso causa impacto direto nas receitas das cidades menores.
Existe uma média nacional para quantificar essa queda na arrecadação?
A avaliação feita em junho deste ano registrou perdas acumuladas na arrecadação, ao longo de 12 meses, de 31,31%. Salientando que, de maneira geral, as folhas de pagamento, com planos de cargos, piso salarial dos professores e outras despesas de crescimento vegetativo da máquina, foram acrescidos em pelo menos 20% de 2011 para 2012. E o desfalque só aumenta, pois em setembro os repasses reduziram mais 16% em relação ao mês anterior.
Com relação ao RN, qual a situação atual dos municípios?
A maioria dos municípios do Rio Grande do Norte, especificamente 102 dos 167, contam com a recepção do valor mínimo de FPM (coeficiente 0,6 de arrecadação), e outra expressiva fatia ainda paga parcelas de negociações com o INSS, descontadas automaticamente da folha. Tal fato implica, por exemplo, no repasse zerado do FPM para 50 municípios do Estado agora no dia 10 de outubro.
*TRIBUNA DO NORTE
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