Paris. O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ser "mentira" as
denúncias feitas pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza à
Procuradoria-Geral da República em setembro e reveladas ontem pelo
jornal "O Estado de S. Paulo". Em nota, a Direção Nacional do PT afirmou
que as novas declarações se referem a uma tentativa de "delação
premiada" e refletem o "desespero" de Valério para reduzir sua pena.
Apontado como o operador do esquema, o empresário foi condenado a mais
de 40 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em
Paris, Lula e Dilma desmentiram o teor das denúncias feitas por Marcos
Valério em depoimento ao Ministério Público Federal FOTO: REUTERS
No
depoimento de mais de três horas ao Ministério Público Federal, Valério
disse que o esquema do mensalão ajudou Lula a pagar "despesas pessoais"
e que o ex-presidente teria dado aval para os empréstimos bancários que
viriam a irrigar os pagamentos de parlamentares que pertenciam à base
aliada. "Isso é mentira", afirmou Lula após ser questionado por
jornalistas na saída do Fórum do Progresso Social, organizado por seu
instituto e a Fondation Jean-Jaurè, em Paris. Com a frase, o
ex-presidente quebrou o silêncio que perdurou ao longo de todo o dia,
quando evitou falar à imprensa.
Conteúdo "lamentável"
A
presidente Dilma Rousseff repudiou e disse ser "lamentável" o conteúdo
do depoimento prestado pelo empresário Marcos Valério, que liga Lula ao
caso do mensalão. "Essa é uma questão que devo responder no Brasil, mas
não quero deixar de assinalar que considero lamentáveis as tentativas de
desgastar a imagem do presidente Lula", disse em conversar com
jornalistas após encontro com o presidente francês, François Hollande,
no Palácio Eliseu, em Paris.
"É
sabida minha admiração, o meu respeito e a minha amizade com o
presidente Lula. Portanto, repudio todas as tentativas, e essa não seria
a primeira vez, de destituí-lo da sua imensa carga de respeito que o
povo brasileiro lhe tem", disse Dilma.
"Respeito
(Lula) porque o presidente Lula foi um presidente que desenvolveu o
país e foi responsável pela distribuição de renda e também pelo que fez
internacionalmente, a amizade com a África, o olhar com a América Latina
e o estabelecimento de relações iguais entre os países", disse.
Após
as revelações sobre o depoimento, Lula cancelou a participação em um
jantar oferecido por Hollande, à presidente Dilma Rousseff no Palácio do
Eliseu. Ele era um dos convidados de honra do evento.
O
tour de Lula pela Europa não deve ser interrompido. Amanhã, o
ex-presidente receberá um cheque de R$ 215 mil do governo da Catalunha,
como parte do prêmio que ganhou por conta de sua política social e
"crescimento justo".
A
Espanha é um dos países mais afetados pela crise financeira. A
informação sobre o valor da premiação foi divulgada em comunicado
oficial do governo catalão, anunciando o evento que marca a entrega do
Premi Internacional Catalunya. O prêmio é destinado a pessoas que tenham
contribuído com o desenvolvimento de valores culturais, científicos ou
humanos.
"Mentiras envelhecidas"
A
nota da Direção Nacional do PT, assinada pelo presidente da sigla,
deputado estadual Rui Falcão, criticou o espaço dado pela imprensa às
declarações de Marcos Valério. "Trata-se de uma sucessão de mentiras
envelhecidas, todas elas já claramente desmentidas. É lamentável que
denúncias sem nenhuma base na realidade sejam tratadas com seriedade",
diz o documento.
Segundo
o texto da nota, há um "processo de criminalização" contra o PT e seus
dirigentes. "Prestes a completar 10 anos à frente do Governo Federal,
período em que o Brasil viveu um processo de desenvolvimento histórico e
em que as classes populares passaram pela primeira vez a ter
protagonismo no nosso país, o PT é alvo constante de setores da
sociedade que perderam privilégios".
O
presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), classificou de
"desequilibrada" a declaração do operador do mensalão. "Não é uma
afirmação que mereça crédito", disse. "É uma declaração desequilibrada,
descontextualizada, que vem oito anos depois do processo iniciado",
disse.
Caso repercute entre os parlamentares cearenses
O
depoimento de Marcos Valério à Procuradoria Geral da República
incriminando o ex-presidente Lula repercutiu entre parlamentares da
bancada federal do Ceará. O deputado Eudes Xavier (PT) afirmou que há
uma ´organização´ para atacar o PT e o seu símbolo maior - o
ex-presidente. "O que ele fez em 8 anos de governo, dificilmente outro
fará pelos mais pobres", disse.
O
deputado federal Artur Bruno disse estranhar que depois de sete anos de
investigações, somente agora Marcos Valério cite o nome de Lula FOTO:
AG. CÂMARA
Segundo
o deputado, nesta quarta-feira a bancada do partido na Câmara vai se
reunir, a partir das 14 horas, e deverá tratar do assunto visando
responder de forma coletiva aos ataques. "Tenho convicção que Lula será a
partir de agora o maior alvo de ataques. O interesse maior é o
interesse político e os adversários farão de tudo para prejudicar sua
imagem. Vamos criar uma ´coluna de defesa´ para Lula", asseverou.
Eudes
Xavier criticou o STF, que segundo ele, está julgando esse caso do
mensalão com muita celeridade, enquanto o mensalão do PSDB (que envolve o
ex-governador de Minas Eduardo Azeredo) e o do DEM, de Brasília, não
tiveram prosseguimento. "Há um exagero por parte do Supremo com o PT.
Espero que a mesma celeridade seja dada aos outros casos", observou.
Para
ele, a oposição quer, com o caso, justificar porque depois de tanto
tempo fora do poder ainda não emplacou um projeto nacional. Na opinião
do petista, a decisão do STF e a atuação do Ministério Público Federal,
se bem observados, apresentam um grau de politização.
O
deputado federal Artur Bruno (PT) relembrou que as denúncias do
ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) culminaram numa CPI, na investigação
no Ministério Público e na Ação Penal 470, conhecida como mensalão, e
que foram apuradas durante sete anos, já que foram feitas em 2005, e
agora no julgamento do Supremo Tribunal Federal, que apenou mais de 20
pessoas.
"Acho
estranho que o principal acusado, que pegou 40 anos de prisão, só agora
traga essa denúncia tentando envolver o ex-presidente Lula. É uma
pessoa sem credibilidade", avaliou. "Não creio que a denúncia tenha
qualquer fundamento, até porque foram sete anos de investigação e nunca
foi provado nenhuma participação do ex-presidente", observou o
parlamentar.
Bruno
ressaltou ainda que esse fato o faz pensar que o último depoimento de
Valério tem como objetivo tentar diminuir sua pena, através de delação
premiada. "Portanto, creio que não haverá qualquer repercussão jurídica
com relação a esse caso. Valério é o grande mentor do mensalão, que
começou em Minas Gerais, na tentativa frustrada de reeleger o
ex-governador Eduardo Azeredo", analisou.
Congresso
O
petista declarou que o caso não despertou grande interesse no Congresso
e nem preocupação entre os aliados, devido à falta de credibilidade do
denunciante, que demonstrou, segundo ele, estar rancoroso e querendo se
vingar. "Não acredito que o Congresso vá querer rediscutir esse assunto
que é requentado, mesmo porque já foi objeto de CPI que teve grande
repercussão", avaliou o parlamentar.
Já
o deputado Raimundo Gomes de Matos (PSDB) entende que a denúncia não
traz novidade pois, segundo ele, é notório que Lula era conhecedor de
supostas "manobras e de malversação de recursos públicos", pois tudo
acontecia no Planalto.
"O
presidente não ter nenhum conhecimento do que ocorria ao seu lado,
demonstra total falta de conhecimento da máquina de governo. E o pior é
que a malversação começou 20 dias após a sua posse já que o primeiro
documento é de 21 de janeiro de 2003. É incalculável o volume de
recursos que pode ter sido direcionado para parlamentares e para as
despesas do presidente e de integrantes do PT", avaliou o deputado.
"Claro
que eles vão ficar dizendo que é mentira que não existe mensalão. Mas
na verdade o grande articulados de todo esquema foi José Dirceu, com
consentimento de Lula", disse o tucano. Segundo ele, o PSDB vai tomar
providências e tentar convocar Valério para depor no Congresso. "Temos
que tirar a população desse estado letárgico pois ela é a maior
prejudicada".
Para ele, o fato de o Governo ter maioria no Congresso Nacional é um empecilho para convocar Marcos Valério.
O
tucano espera que a indignação gerada a partir desse caso cause
constrangimento entre os parlamentares. "Se Lula não é culpado não tem
que temer investigação", finalizou o deputado do PSDB.
Decisão só após fim de julgamento
Brasília. O
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, informou, ontem, que vai
esperar a conclusão do julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) para anunciar o encaminhamento que dará ao novo depoimento
do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza.
Roberto
Gurgel vai aguardar que o Supremo conclua o processo para decidir o
encaminhamento que será dado ao novo depoimento de Valério FOTO: AG.
BRASIL
O
documento não faz parte de nenhum processo e Gurgel terá de decidir se
vai apurar a acusação, enviá-la a instâncias inferiores ou arquivá-la. O
jornal O Estado de S. Paulo teve acesso ao depoimento com exclusividade
e revelou que Valério afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva deu o "ok" para o mensalão e teve despesas pessoais pagas pelo
valerioduto.
O
ex-presidente teria ainda se reunido com a direção da empresa Portugal
Telecom para negociar uma remessa de R$ 7 milhões para o PT.
Como
Lula é ex-presidente e não tem mais foro privilegiado, uma
possibilidade levantada por integrantes do Ministério Público seria a de
remeter o caso para a primeira instância.
Se
adotar este caminho, Gurgel ficaria somente com a acusação contra o
senador Humberto Costa (PT-PE), que teria sido um dos beneficiários do
valerioduto. Poderia ainda, entender não haver elementos contra o
senador e apenas encaminhar a acusação para instâncias inferiores do MP.
A
presença do senador petista no novo depoimento, no entanto, abre uma
porta para que o procurador-geral da República fique com toda a
investigação. Assim, a cúpula do MP teria o controle da investigação e
poderia atuar de forma a evitar eventuais constrangimentos aos
investigados.
Gurgel pode ainda entender que não há novos elementos e arquivar o depoimento.
MARCELO RAULINO
REPÓRTER
Diário do Nordeste
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