Disparidades nos valores repassados pelo Governo do Estado e as despesas reais das empresas que administravam o Hospital da Mulher, em Mossoró, apontam para a possibilidade do erário ter sido fraudado em mais de R$ 3 milhões nos quatro primeiros meses deste ano. Os indícios de irregularidades estão apontados em um relatório preliminar produzido por técnicos da Secretaria Estadual de Saúde, ao qual a TRIBUNA DO NORTE teve acesso. A administração do Hospital da Mulher foi terceirizada pelo Governo do Estado à Associação Marca, a mesma organização social alvo da Operação Assepsia que apontou fraudes em contratos similares com a Prefeitura do Natal.
Auditoria da Sesap aponta fraudes
Isaac Lira - Repórter
O contrato do Governo do Estado com a Associação Marca para gerir o Hospital da Mulher foi encerrado na última segunda-feira, mas a auditoria na prestação de serviço realizada pela Organização Social não acabou. No último semana de outubro, o secretário estadual de Saúde, Isaú Gerino, recebeu um relatório produzido pelos próprios técnicos da secretaria de saúde onde se aponta gastos indevidos de R$ 3,160 milhões nos quatro primeiros meses do contrato (março a junho). A auditoria preliminar tomou como base as prestações de contas enviadas pela Marca ao Governo do Estado.
Por conta das supostas irregularidades, os técnicos da Sesap recomendaram a suspensão do último pagamento restante para a Organização Social, referente ao último mês de prestação de serviço. Esse pagamento é da ordem de R$ 2,59 milhões. Segundo o relatório, o pagamento deve ser suspenso "diante das graves irregularidades detectadas preliminarmente, bem como diante da relação custo-benefício dos serviços prestados pela Entidade Social, que fere frontalmente o princípio da economicidade que deve ser perseguido pela Administração Pública, e que a nosso ver em caráter preliminar está causando fortes prejuízos ao Erário Estadual".
Os gastos "indevidos" têm relação com três situações consideradas irregulares pelos técnicos da Secretaria de Saúde. A primeira delas diz respeito às despesas contraídas de forma antecipada pela Associação Marca, antes da formalização do contrato. A TRIBUNA DO NORTE noticiou há três meses a existência dessas despesas. O relatório coloca a existência de R$ 758 mil de gastos antes de haver contrato com a Associação. Outro ponto citado pela auditoria foi a inclusão de guias de depósitos judiciais de processos trabalhistas do Rio de Janeiro. Foram quatro pagamentos, que totalizaram R$ 280 mil. Os técnicos estranharam a existência de pagamentos referentes a processos judiciais de fora do Rio Grande do Norte.
O último ponto apontado pela auditoria é relativo ao pagamento do fundo de garantia dos funcionários da empresa Salute Sociale, que era "quarteirizada" pela Marca para fornecer mão de obra para o Hospital da Mulher. Na prestação de contas, segundo o relatório preliminar da auditoria, foi incluído o pagamento de todos os funcionários da empresa, que tem contrato em várias cidades do Brasil. Por conta dessa inclusão, o valor incluído na prestação de contas é significativamente superior ao devido pelo Estado.
O repasse "devido" seria de pouco mais de R$ 95 mil. Contudo, nas prestações de contas, segundo o relatório, estão guias de recolhimento do FGTS no valor de R$ 2,2 milhões. No mês de março, por exemplo, o repasse que seria de R$ 17 mil teve na prestação de contas GRF de R$ 561 mil. A inclusão desses documentos na prestação de contas inflou o número de "pagamentos indevidos" identificados na auditoria para R$ 3,160 milhões. A Associação Marca recebeu do Governo do Estado até agora R$ 18,396 milhões pelos oito meses de gestão à frente do Hospital da Mulher.
O relatório preliminar dos técnicos da Sesap foi um dos documentos pedidos pela promotoria do Patrimônio Público na investigação aberta para apurar a contratação da Inase, substituta da Marca à frente do Hospital da Mulher. Na próxima terça-feira, os responsáveis pelo Inase prestam depoimento no MPE.
Sede administrativa
Ao instalar em Mossoró a máquina necessária para gerir o Hospital da Mulher, a Associação Marca precisou alugar um local para utilizar como sede administrativa. Localizada a apenas dois quarteirões do Hospital, a casa escolhida é de propriedade do ex-secretário do Gabinete Civil do Governo do Estado, e atual controlador-geral, Anselmo Carvalho. Confrontado com a informação, Anselmo disse que o contrato de aluguel não se repetirá durante a gestão do Inase, que desde a última segunda-feira administra a unidade.
A casa em questão, localizada na rua Raimundo Leão de Moura, número 21, tem 115 metros quadrados de área construída e 360 metros quadrados. De acordo com o que o próprio Anselmo Carvalho declarou à reportagem, o valor do aluguel era de R$ 2,5 mil mensais. A propriedade está em nome do controlador-geral do Estado e da sua esposa, Jailma Gomes de Souza Carvalho.
Anselmo disse também que as tratativas para fechar o contrato de aluguel foram feitas pelo seu irmão e por uma imobiliária. O controlador disse que, à época do aluguel, não tinha conhecimento que seria a sede administrativa da Associação Marca em Mossoró.
Repasses maiores que gastos reais com pessoal
Além das suspeitas de irregularidades, a auditoria identificou situações que chamam a atenção. Há uma contradição entre o custo da folha de pessoal do Hospital da Mulher e os repasses para a empresa Salute Sociale, que era responsável pelo fornecimento e gestão de recursos humanos da unidade de saúde. Enquanto a folha custava em torno de R$ 325 mil por mês, os repasses para a Salute Sociale nos quatro meses de contrato sob análise da auditoria foram de R$ 2,4 milhões, todos eles em abril deste ano.
Uma operação matemática simples demonstra que a folha de pessoal custou de fato nesse período R$ 1,3 milhão, o que significa R$ 1,1 milhão a mais de repasse nos quatro primeiros meses de contrato. "Concluímos a existência de uma disparidade entre os valores transferidos para custeio da folha de pagamento", diz o relatório preliminar de auditoria.
Esse dado tem como complemento uma análise acerca da projeção feita da demanda de pessoal e de atendimentos. O orçamento de gasto com pessoal presente no estudo para implantação do Hospital da Mulher é de R$ 890 mil para 363 funcionários. Como já foi demonstrado, o gasto mensal de fato é menor que a metade do orçado, em torno de R$ 325 mil. Fontes da Secretaria Estadual de Saúde informam que o número de funcionários do Hospital da Mulher nunca chegou aos 363 presentes no planejamento.
Além disso, a demanda da unidade de saúde não acompanhou o planejamento do Governo do Estado. A previsão mensal presente em documento assinado pelo secretário de saúde à época, Domício Arruda, era de 370 partos por mês. Contudo, em março e abril foram realizados 91 e 130 partos respectivamente.
O que é a Salute Sociale
A empresa Salute Sociale é colocada na Operação Assepsia, que investiga a atuação da Associação Marca no município de Natal, como sendo o braço de uma organização criminosa. Entenda o caso: a Associação Marca é investigada por contratos no Município de Natal - o que resultou na Operação Assepsia - mas ao mesmo tempo presta serviços também ao Governo do Estado. Na investigação do Ministério Público Estadual, a Salute é colocada da seguinte maneira: "Trata-se de um grupo criminoso, que através da Marca e da entidade Salute Sociale e de outras empresas satélites, desviam dinheiro público, mediante a inserção de despesas fictícias nas prestações de contas".
A Salute é de propriedade de Tufi Soares Meres, denunciado por corrupção pelo MPE. A ação corre sob segredo de justiça.
Controladoria mantém relatório em segredo
Em paralelo ao relatório da Secretaria Estadual de Saúde, um outro documento acerca do contrato do Governo do Estado com o Hospital da Mulher ainda não veio a público. A governadora Rosalba Ciarlini determinou no dia 28 de junho, logo após a Operação Assepsia, que colocou suspeitas sobre a atuação da Associação Marca no Estado, a realização de uma auditoria extraordinária. A Controladoria Geral do Estado ficou a cargo de concluir a apuração em 30 dias. Desde então, o assunto foi esquecido e o relatório não foi publicizado.
Uma comissão do Governo do Estado será enviada na próxima semana para averiguar in loco a situação do Hospital da Mulher. "Eu como ordenador de despesas não posso autorizar nenhum pagamento enquanto houver dúvida. Se houver despesas a mais, não iremos pagar", disse o secretário de Saúde.
Como o restante do pagamento para a Marca é uma parcela de R4 2,59 milhões, e os gastos indevidos já identificados são de R$ 3,16 milhões, o simples bloqueio não seria suficiente para ressarcir o suposto pagamento irregular.
Fonte: Tribuna do Norte
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