Enquanto Nicholas Mevoli, 32, flutuava de bruços no mar azul, tentando relaxar, suas expirações eram audíveis. A contagem
regressiva tinha começado e ele se preparava para mergulhar em Dean's Blue Hole, na esperança de atingir 72 metros com uma única aspiração, sem nadadeiras ou oxigênio complementar. Ele começou a sorver o ar, tentando acumular o máximo possível de oxigênio em seus pulmões.
Às 12h25 da tarde de domingo (17), cercado por 15 outros atletas e observadores, assim como cinco mergulhadores de segurança, ele se virou e submergiu, primeiro o rosto, parecendo uma flecha humana disparada na escuridão daquele que seria o último mergulho de sua vida.
Os responsáveis pelo Vertical Blue, um campeonato de mergulho livre ou em apneia, monitoravam e anunciavam o progresso de Mevoli por sonar, e tudo prosseguia bem, até que ele teve problemas a 68 metros e parecia que voltaria. Mas, em vez de voltar à superfície, ele decidiu mergulhar de novo em uma tentativa de atingir sua meta, seu segundo recorde americano. Alguns de seus colegas atletas ficaram apreensivos, reconhecendo que a decisão dele era perigosa.
"Mergulhar nessa profundidade sem nadadeiras é um mergulho difícil, de grande esforço físico", disse Mike Board, o detentor do recorde britânico. "Eu pensei: ok, ele vai ter dificuldade para subir."
Ainda assim, Mevoli voltou à superfície por conta própria, após um mergulho de 3 minutos e 38 segundos. Foi quando o cenário se tornou de pesadelo.
Mevoli tirou seus óculos, fez um sinal de OK e tentou completar o protocolo de superfície que tornaria sua tentativa oficial, ao dizer "Eu estou bem". Mas ele não estava. Suas palavras saíram truncadas, seus olhos estavam arregalados e vazios. Ele se inclinou para trás para o oceano e perdeu a consciência, o que, apesar de alarmante, não é incomum em um esporte em que quase todos os atletas de ponta já perderam a consciência uma vez ou outra, mesmo que por apenas alguns poucos segundos. Mevoli não foi tão afortunado.
Cinco mergulhadores de segurança, um deles um paramédico australiano certificado em técnicas de suporte à vida, o ergueram até uma plataforma próxima onde a médica do evento, Barbara Jeschke, da Alemanha, tentou reanimá-lo.
"Há um problema com o pulmão dele", gritou Marco Cosentino, da Itália, um dos mergulhadores de segurança que acompanham o competidor em várias etapas para ajudá-lo a voltar à superfície em caso de problemas. Eles viraram Mevoli de lado, e sangue começou a sair de sua boca e a se acumular na plataforma, antes de se dissipar no mar.
Inicialmente havia pulso, apesar de às vezes fraco, às vezes forte. Após 15 minutos, não havia nenhum. A equipe cortou seu traje de mergulho e iniciou a reanimação cardiorrespiratória. As tentativas de ressuscitar Mevoli, que incluíram três injeções de adrenalina no local, prosseguiram sem sucesso por 90 minutos.
Mevoli, do Brooklyn, era relativamente novo no esporte. Quando ele mergulhou até 100 metros, em maio, ele se tornou o primeiro americano a quebrar essa barreira, sem auxílio. Ele usou nadadeira monofin naquele dia e completou o feito em 3 minutos e 45 segundos. É esse tipo de mergulho livre --em vez da variedade conhecida como Peso Variável, onde os mergulhadores usam um lastro para levá-los a profundidades que não conseguiriam atingir por conta própria-- que explodiu em popularidade nos últimos anos. Internacionalmente, escolas de mergulho livre estão se multiplicando em destinos tão diversos como Egito, Indonésia, Grécia e Bahamas.
A carreira de Mevoli nas competições de mergulho livre começou no início do ano passado. Ele conquistou o título de Deja Blue, uma competição semelhante realizada naquele ano nas Ilhas Cayman. Ele venceu de novo neste ano em Curaçao, ficou em terceiro na Copa do Caribe (um evento vencido por William Trubridge, o neo-zelandês que é dono do Vertical Blue) em Roatan, Honduras, e ganhou medalha de bronze em Peso Constante Sem Nadadeiras no mundial na Grécia, em setembro.
Após suas quebras de recordes e ascensão meteórica, Mevoli chegou às Bahamas confiante e visando quebrar outro recorde nacional, desta vez na categoria Imersão Livre. Sua tentativa de atingir 96 metros na sexta-feira fracassou quando ele chegou a 80 metros e precisou de ajuda para voltar à superfície. Ele chegou à tona com sangue pingando de sua boca. Furioso, ele gritou e xingou, certo de que tinha estourado seu tímpano esquerdo, uma lesão que encerraria sua participação na competição.
Um aderecista nas produções de cinema e TV em Nova York, Mevoli já tinha gasto US$ 34 mil neste ano viajando e competindo em todo o mundo. Ele ficou aliviado quando um exame realizado por Jeschke, a médica do evento, determinou que ele não tinha estourado o tímpano. Ele foi diagnosticado com compressão pulmonar --quando ocorre um derrame dos capilares devido à pressão exercida sobre o corpo em grande profundidade. Frequentemente, os atletas voltam à tona com sangramento no nariz após a conclusão dos mergulhos, e mais de um atleta nesta competição sofreu compressão sinusal ou da traqueia e foram liberados para competir no dia seguinte.
No domingo, Mevoli foi transportado por body board da plataforma até a praia, então levado em uma perua Honda, que servia como ambulância no evento. Foi uma viagem de 10 minutos até o Vid Simms Memorial Health Centre, uma clínica imaculada, porém remota, de 185 metros quadrados, dirigida por missionários americanos. A equipe de segurança, incluindo o líder da equipe, Ren Chapman, de Wilmington, Carolina do Norte, Joe Knight, o paramédico australiano, Trubridge, e Jeschke se revezaram no trabalho de reanimação cardiorrespiratória, na ambulância e na clínica, onde um médico local se juntou a eles. Mevoli apresentava um edema pulmonar, segundo uma fonte no local, e 800 centímetros cúbicos de fluido foram retirados de seus pulmões.
Por volta das 13h44, ele morreu. Segundo a Associação Internacional para o Desenvolvimento da Apneia, a entidade que rege o esporte, ele é o primeiro atleta a morrer em uma competição internacional em seus 21 anos de história.
Minutos após a chegada dele à clínica, atletas e seus familiares começaram a seguir para lá. Um grupo unido nos melhores momentos, a maioria permaneceu sentada no gramado sob um jovem jacarandá, com o mar visível à distância. Alguns deram as mãos em oração, outros confortavam uns aos outros abraçados. Caía uma chuva leve, com ocorrência de um arco-íris.
Chapman --que conhecia Mevoli há três anos, treinando, velejando e viajando juntos-- logo saiu da clínica sem camisa, com seu traje de mergulho pendurado na cintura, e se dirigiu às pessoas presentes.
"Nós desejamos a Nick toda a sorte em seu novo mundo", ele disse, com a voz embargada de emoção. "Ele morreu fazendo o que amava fazer, isso eu sei."
Reprodução Cidade News Itaú
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